A Metamorfose de Franz Kafka
Bright4 freebooks
  1. De nada valeram os rogos de Gregório, que, aliás, nem sequer eram compreendidos; por mais que baixasse humildemente a cabeça, o pai limitava-se a bater mais fortemente com os pés no chão. Por trás do pai, a mãe tinha escancarado uma janela, apesar do frio, e debruçava-se a ela segurando a cabeça com as mãos. Uma rajada de vento penetrou pelas escadas, agitando as cortinas da janela e agitando os jornais que estavam sobre a mesa, o que fez com que se espalhassem algumas páginas pelo chão. Impiedosamente, o pai de Gregório obrigava-o a recuar, assobiando e gritando como um selvagem. Mas Gregório estava pouco habituado a andar para trás, o que se revelou um processo lento. Se tivesse uma oportunidade de se virar sobre si mesmo, poderia alcançar imediatamente o quarto, mas receava exasperar o pai com a lentidão de tal manobra e temia que a bengala que o pai brandia na mão pudesse desferir-lhe uma pancada fatal no dorso ou na cabeça. Finalmente, reconheceu que não lhe restava alternativa, pois verificou, aterrorizado, que, ao recuar, nem sequer conseguia controlar a direção em que se deslocava, assim, sempre observando ansiosamente o pai, de soslaio, começou a virar o mais rapidamente que pôde, o que, na realidade, era muito moroso.

    Talvez o pai tivesse reparado nas suas boas intenções, visto que não interferiu, a não ser para, de quando em quando, e à distância, lhe auxiliar a manobra com a ponta da bengala. Se ao menos ele parasse com aquele insuportável assobio! Era uma coisa que estava a pontos de fazê-lo perder a cabeça. Quase havia completado a rotação quando o assobio o desorientou de tal modo que tornou a virar ligeiramente na direção errada. Quando, finalmente, viu a porta em frente da cabeça, pareceu-lhe que o corpo era demasiadamente largo para poder passar pela abertura. É claro que o pai, no estado de espírito atual, estava bem longe de pensar em qualquer coisa que se parecesse com abrir a outra portada, para dar espaço à passagem de Gregório. Dominava-o a ideia fixa de fazer Gregório regressar para o quarto o mais depressa possível. Não aguentaria de modo algum que Gregório se entregasse aos preparativos de erguer o corpo e talvez deslizar através da porta. Nesta altura, o pai estava porventura a fazer mais barulho que nunca para obrigá-lo a avançar, como se não houvesse obstáculo nenhum que o impedisse. Fosse como fosse, o barulho que Gregório ouvia atrás de si não lhe soava aos ouvidos como a voz de pai nenhum. Não sendo caso para brincadeiras, Gregório lançou-se, sem se preocupar com as consequências, pela abertura da porta. Um dos lados do corpo ergueu-se e Gregório ficou entalado no umbral da porta ferindo-se no flanco, que cobria a porta branca de horrorosas manchas. Não tardou em ficar completamente preso, de tal modo que, por si só, não poderia mover-se, com as pernas de um dos lados a agitarem-se tremulamente no ar e as do outro penosamente esmagadas de encontro ao soalho. Foi então que o pai lhe deu um violento empurrão, que constituiu literalmente um alívio, e Gregório voou até ao meio do quarto, sangrando abundantemente. Empurrada pela bengala, a porta fechou-se violentamente atrás de si e, por fim, fez-se silêncio.​