A Metamorfose de Franz Kafka
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  1. Visto isso, tentou extrair primeiro a parte superior, deslizando cuidadosamente a cabeça para a borda da cama. Descobriu ser fácil e, apesar da sua largura e volume, o corpo acabou por acompanhar lentamente o movimento da cabeça. Ao conseguir, por fim, mover a cabeça até à borda da cama, sentiu-se demasiado assustado para prosseguir o avanço, dado que, no fim de contas caso se deixasse cair naquela posição, só um milagre o salvaria de magoar a cabeça. E, custasse o que custasse, não podia perder os sentidos nesta altura, precisamente nesta altura; era preferível ficar na cama.

    Quando, após repetir os mesmos esforços, ficou novamente deitado na posição primitiva, suspirando, e viu as pequenas pernas a entrechocarem-se mais violentamente que nunca, se possível, não adivinhando forma de introduzir qualquer ordem naquela arbitrária confusão, repetiu a si próprio que era impossível ficar na cama e que o mais sensato era arriscar tudo pela menor esperança de libertar-se dela. Ao mesmo tempo, não se esquecia de ir recordando a si mesmo que era muito melhor a reflexão fria, o mais fria possível, do que qualquer resolução desesperada. Nessas alturas, tentava focar a vista tão distintamente quanto podia na janela, mas, infelizmente, a perspectiva da neblina matinal, que ocultava mesmo o outro lado da rua estreita, pouco alívio e coragem lhe trazia. Sete horas, disse, de si para si, quando o despertador voltou a bater, sete horas, e um nevoeiro tão denso, por momentos, deixou-se ficar quieto, respirando suavemente, como se porventura esperasse que um repouso tão completo devolvesse todas as coisas à sua situação real e vulgar.

     

    A seguir, disse a si mesmo: Antes de baterem as sete e um quarto, tenho que estar fora desta cama. De qualquer maneira, a essa hora já terá vindo alguém do escritório perguntar por mim, visto que abre antes das sete horas. E pôs-se a balouçar todo o corpo ao mesmo tempo, num ritmo regular, no intuito de rebocá-lo para fora da cama. Caso se desequilibrasse naquela posição, podia proteger a cabeça de qualquer pancada erguendo-a num ângulo agudo ao cair. O dorso parecia ser duro e não era provável que se ressentisse de uma queda no tapete. A sua preocupação era o barulho da queda, que não poderia evitar, o qual, provavelmente, causaria ansiedade, ou mesmo terror, do outro lado e em todas as portas. Mesmo assim, devia correr o risco.

    Quando estava quase fora da cama — o novo processo era mais um jogo que um esforço, dado que apenas precisava rebolar, balouçando-se para um lado e para outro — , veio-lhe à idéia como seria fácil se conseguisse ajuda. Duas pessoas fortes — pensou no pai e na criada — seriam mais que suficientes; não teriam mais que meter-lhe os braços por baixo do dorso convexo, levantá-lo para fora da cama, curvarem-se com o fardo e em seguida ter a paciência de o colocar direito no chão, onde era de esperar que as pernas encontrassem então a função própria. Bem, à parte o facto de todas as portas estarem fechadas à chave, deveria mesmo pedir auxílio? A despeito da sua infelicidade não podia deixar de sorrir ante a simples ideia de tentar.

    Tinha chegado tão longe que mal podia manter o equilíbrio quando se balouçava com força e em breve teria de encher-se de coragem para a decisão final, visto que daí a cinco minutos seriam sete e um quarto... quando soou a campainha da porta. É alguém do escritório, disse, com os seus botões, e ficou quase rígido, ao mesmo tempo que as pequenas pernas se limitavam a agitar-se ainda mais depressa. Por instantes, tudo ficou silencioso. Não vão abrir a porta, disse Gregório, de si para si, agarrando-se a qualquer esperança irracional. A seguir, a criada foi à porta, como de costume, com o seu andar pesado e abriu-a.