A Metamorfose de Franz Kafka
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  1. Gregório apenas precisou de ouvir o primeiro bom dia do visitante para imediatamente saber quem era: o chefe de escritório em pessoa. Que sina, estar condenado a trabalhar numa firma em que a menor omissão dava imediatamente aso à maior das suspeitas! Seria que todos os empregados em bloco não passavam de malandros, que não havia entre eles um único homem devotado e leal que, tendo uma manhã perdido uma hora de trabalho na firma ou coisa parecida, fosse tão atormentado pela consciência que perdesse a cabeça e ficasse realmente incapaz de levantar-se da cama? Não teria bastado mandar um aprendiz perguntar - se era realmente necessária qualquer pergunta - , teria que vir o próprio chefe de escritório, dando assim a conhecer a toda a família, uma família inocente, que esta circunstância suspeita não podia ser investigada por ninguém menos versado nos negócios que ele próprio? E, mais pela agitação provocada por tais reflexões do que por qualquer desejo, Gregório rebolou com toda a força para fora da cama. Houve um baque sonoro, mas não propriamente um estrondo. A queda foi, até certo ponto, amortecida pelo tapete; também o dorso era menos duro do que ele pensava, de modo que foi apenas um baque surdo, nem por isso muito alarmante. Simplesmente, não tinha erguido a cabeça com cuidado suficiente e batera com ela; virou-a e esfregou-a no tapete, de dor e irritação.

    — Alguma coisa caiu ali dentro — disse o chefe de escritório na sala contígua do lado esquerdo. Gregório tentou supor no seu íntimo que um dia poderia acontecer ao chefe de escritório qualquer coisa como a que hoje lhe acontecera a ele; ninguém podia negar que era possível. Como em brusca resposta a esta suposição, o chefe de escritório deu alguns passos firmes na sala ao lado, fazendo ranger as botas de couro envernizado. Do quarto da direita, a irmã segredava para informá-lo da situação:

    — Gregório, está aqui o chefe de escritório.

    Eu sei, murmurou Gregório, de si para si; mas não ousou erguer a voz o suficiente para a irmã o ouvir.

    — Gregório — disse então o pai, do quarto à esquerda —, está aqui o chefe de escritório e quer saber porque é que não apanhou o primeiro comboio. Não sabemos o que lhe dizer. Além disso, ele quer falar contigo pessoalmente. Abre essa porta, por favor. Com certeza não vai reparar na desarrumação do quarto.

    — Bom dia, Senhor Samsa, saudava agora amistosamente o chefe de escritório.

    — Ele não está bem — disse a mãe ao visitante, ao mesmo tempo que o pai falava ainda através da porta, ele não está bem, senhor, pode acreditar. Se assim não fosse, ele alguma vez ia perder o comboio! O rapaz não pensa senão no emprego. Quase me zango com a mania que ele tem de nunca sair à noite; há oito dias que está em casa e não houve uma única noite que não ficasse em casa. Senta-se ali à mesa, muito sossegado, a ler o jornal ou a consultar horários de comboios. O único divertimento dele é talhar madeira. Passou duas ou três noites a cortar uma moldurazinha de madeira; o senhor ficaria admirado se visse como ela é bonita. Está pendurada no quarto dele. Num instante vai vê-la, assim que o Gregório abrir a porta. Devo dizer que estou muito satisfeita por o senhor ter vindo. Sozinhos, nunca conseguiríamos que ele abrisse a porta; é tão teimoso... E tenho a certeza de que ele não está bem, embora ele não o reconhecesse esta manhã.

     

     

     

     

    Que sina, estar condenado a trabalhar numa firma em que a menor omissão dava imediatamente aso à maior das suspeitas!